As folhas caem

Cidinha Da Silva
2 min readJan 9, 2022

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Foto: Charlene Bicalho

Quando a gente não é mais só, tem torta de limão na sobremesa. Tem sobremesa depois da comida de todo dia, que não é mais ordinária, tem semente de cardamomo, damasco e shitake no macarrão improvisado, cobertura de alho e lascas de gengibre na costelinha. Tem boca de festa no almoço de segunda, resultado alquímico das sobras do domingo.

Quando a gente não é mais só, torna-se comum jogar qualquer coisa na lixeira e encontrar por lá o vazio deixado por um saco de lixo transbordante, retirado sem fogos ou sofrimento.

Quando a gente não é mais só, tem para quem picar as frutas no café da manhã, tem o prazer de acordar cedo para os rituais do amor de todo dia que pintam a vida de outras cores.

Quando a gente não é mais só, volta a ter pesadelos e eles são enfrentados no próprio campo onírico e se você perde a batalha e acorda delirante, encontra o abraço salvador.

Quando a gente não é mais só, as reclamações são ouvidas e você precisa aprender a rezingar só do que vale a pena ou é necessário.

Quando a gente não é mais só, o cardápio da noite é maturado desde que os olhos se abrem ao Sol, a vida alimentar volta a ter estudo, surpresa, invenção.

Quando a gente não é mais só, ganha presentes que quer tanto comprar, mas não consegue adivinhar o que sejam quando os recebe, porque nos acostumamos a nos presentear e já havíamos esquecido o gosto de alguém adivinhar nossos desejos recônditos ou de satisfazer aqueles mais explícitos.

Quando a gente não é mais só, olha a Lua de janeiro e não se lembra mais dos pedidos feitos nos outonos passados.

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Cidinha Da Silva
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Written by Cidinha Da Silva

Espaço editado pela escritora Cidinha da Silva, aborda o direito à cidade na perspectiva de africanidades; faz crítica cultural com ênfase em relações raciais.

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